Nos anos 1990, nos Estados Unidos, surgiu um fenômeno curioso e profundamente simbólico: o bebê reborn. Bonecas hiper-realistas, produzidas com detalhes meticulosos e materiais sofisticados, que simulam com perfeição assustadora os traços e o peso de um recém-nascido. Foram criadas como forma de arte, conforto emocional ou mesmo brinquedo de luxo, essas bonecas oferecem algo poderoso: uma realidade alternativa. Um mundo onde se vive a experiência da maternidade sem os desafios reais que ela impõe.
O Brasil vive, atualmente, uma verdadeira febre das bonecas reborn réplicas realistas de bebês que desafiam padrões estéticos, provocam debates sobre afeto, consumo e realidade, e expõem um mundo paralelo onde o que importa é a aparência, não a essência. Esse fenômeno, que mistura ilusão com desejo, encontra um espelho curioso na política nacional.
Parte da classe política nacional vive em um país paralelo, cuidadosamente maquiado, onde os discursos são impecáveis e as estruturas públicas são vendidas como eficientes, inclusivas e funcionais. Mas essa realidade idealizada raramente se sustenta fora dos palanques ou dos gabinetes.
Políticos que exaltam a qualidade da escola e universidade pública não colocam seus filhos nela. Ao contrário, optam por instituições privadas, às vezes, até fora do país. Aqueles que discursam em defesa da excelência do SUS jamais encaram uma fila de espera ou a precariedade de um hospital público. Quando adoecem, não recorrem ao sistema que dizem ser perfeito e atender as demandas do povo; vão direto aos hospitais privados com o ir a especialistas, exames e leitos.
A pergunta é inevitável: por que quem formula e istra os serviços públicos não os utiliza? O que explicaria essa dissociação entre discurso e prática? Seria uma espécie de “síndrome da irrealidade”, onde a elite política vive em um Brasil idealizado que só existe nos relatórios e nas campanhas eleitorais?
Tal como acontece com as mães de bebês reborn que constroem uma realidade afetiva alternativa, distante da dor ou da perda, uma parcela dos nossos representantes parece ter criado uma versão fantasiosa do país, ignorando as periferias, o transporte precário, o desemprego e o preço do feijão na feira. É preciso andar de ônibus para entender o caos do trânsito. É preciso comprar no mercado popular para perceber o peso da inflação. É preciso viver como o povo para, de fato, governar para o povo.
Não se pretende aqui desqualificar toda a classe política. Há, sim, parlamentares, gestores e líderes comprometidos com a mudança, que conhecem de perto a dor da desigualdade e trabalham com seriedade para transformar essa realidade. Contudo, o problema central não está nas pessoas, mas no sistema político que as cerca um sistema viciado, desigual e que opera à margem das necessidades reais da população.
Essa realidade distorcida é um reflexo de como o poder tem sido exercido no Brasil. O atual modelo de reeleição, somado ao uso desequilibrado das emendas parlamentares, consolida mandatos, enfraquece a competição e dificulta a renovação das estruturas políticas. O resultado é um jogo de cartas marcadas, onde poucos têm chances reais de o, e muitos ficam à margem, sem voz, sem espaço e sem representação.
É urgente recalcular a rota. Precisamos de um novo pacto político que permita eleições mais justas, com condições minimamente equilibradas, e que traga para o centro do debate as reais necessidades do povo brasileiro. Enquanto os discursos continuarem desconectados da prática, o Brasil seguirá sendo comandado por quem não vive e talvez nem conheça o país que governa. Um Brasil reborn: ilusório. Onde tudo parece perfeito, mas apenas para quem pode fugir da realidade.
Sobre o autor
Wesley Araújo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos. Além de sua destacada atuação na advocacia, é também radialista e palestrante reconhecido na área de comunicação assertiva, onde desenvolve treinamentos, palestras e cursos voltados ao aprimoramento da comunicação pessoal e profissional. Atua como comentarista jurídico e político, unindo sua sólida formação acadêmica à habilidade prática de traduzir temas complexos para uma linguagem clara, objetiva e ível ao grande público.
