Um incêndio que atingiu uma área de cerrado em Minas Gerais acabou levando a uma descoberta científica sobre estratégias de sobrevivência de seres vivos ao fogo. A revelação foi feita por um grupo de pesquisadores composto pelo professor de Ecologia Jean Carlos Santos, da Universidade Federal de Sergipe, enquanto estudavam os impactos das queimadas na fauna local.
Eles identificaram que estruturas chamadas galhas — formações vegetais induzidas por certos organismos, como insetos, que propiciam o crescimento atípico de tecidos em plantas — podem proteger larvas dos insetos que as fizeram crescer, inclusive contra condições extremas do ambiente, como incêndios.
Segundo Jean, o diferencial dessa descoberta está justamente nessa função protetora das galhas.
“As galhas dão tanto alimentação quanto abrigo, protegem o indutor contra o UV e contra a variação de temperatura, mas a nossa descoberta diferencial é que a gente percebeu que elas, aparentemente, também oferecem proteção contra o fogo”, explicou.
A pesquisa foi publicada na respeitada revista científica Ecology, da Sociedade Ecológica da América, uma das publicações mais influentes no campo da ecologia. Além disso, o estudo ganhou projeção internacional e virou tema de reportagem no jornal The New York Times.
O ponto de partida para a descoberta aconteceu em 2012, quando Jean ainda atuava na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Na época, ele pesquisava os efeitos dos incêndios na fauna do cerrado, com foco especial em insetos.
Em uma de suas visitas por uma área de plantio de eucaliptos e pinheiros afetada pelas chamas, ele percebeu a existência de galhas em planta da espécie Solanum lycocarpum, mais conhecida como lobeira.
“Eu já trabalhava com esse grupo de insetos que ficam dentro da planta, que chamam-se insetos galhadores. Por curiosidade, eu fui abrir uma galha que estava totalmente queimada para saber. Quando eu fui abrir, os bichos dentro estavam vivos, para a minha surpresa, e isso instigou todo o estudo”, disse ele.
A constatação de que as larvas haviam sobrevivido mesmo com a galha externamente queimada levou a uma investigação aprofundada. Os pesquisadores concluíram que as galhas haviam sido formadas por fêmeas do besouro Collabismus clitellae, popularmente chamado de gorgulho.
Os ovos depositados na planta por esses insetos teriam induzido o crescimento de galhas que funcionam como câmaras de proteção e nutrição para as larvas.
Jean explica que esse tipo de interação entre insetos e plantas é relativamente comum na natureza e envolve diferentes organismos além dos insetos.
“Existem grupos de organismos, não só insetos, tem vírus, bactérias, mas principalmente insetos, que formam uma espécie de tumor em cima da planta, e os bichos ficam lá dentro, se alimentando e abrigados nesse local. Esse tumor, a gente chama popularmente de galha, ele aumenta e modifica o tecido da planta, criando um habitat para os bichos ficarem lá dentro”, relatou.
Gorgulhos depositaram na ovos lobeira, levando à formação de galhas | Foto: Jean Carlos Santos
Ao descrever o ciclo de vida do gorgulho, Jean detalha como a galha protege o inseto até sua fase adulta, quando ele escava um caminho para fora e se dispersa no ambiente.
“O gorgulho, na verdade, ele é um besouro, um besouro muito típico que faz, vamos dizer assim, escavações nas plantas […]. E aí ele vai se aproveitando de toda aquela estrutura da galha, da alimentação e da proteção. Quando ele vai virar adulto, ele cava um buraco nessa galha e sai, acaba voando, se dispersando e reproduzindo”, explicou.
A divulgação do estudo em veículos de alcance global surpreendeu e animou a equipe de pesquisadores que trabalharam com Jean. Ele conta que a procura por parte da imprensa internacional foi inesperada, mas positiva para a valorização do trabalho científico.
“Nós ficamos super empolgados e extremamente felizes, porque dentro do meio científico é até mais complicado ter repercussões nos nossos estudos […] Isso dá mais credibilidade para o trabalho, para a descoberta […] todo cientista sonha com essa divulgação, de mostrar para a sociedade o que a gente tem feito e qual o valor disso”, celebrou.
Falando sobre perspectivas a partir da descoberta, Jean afirma que tentou localizar novamente galhas semelhantes, mas nem todas as plantas de lobeira apresentam esse tipo de formação, o que pode indicar uma ocorrência restrita a determinadas condições ambientais.
O pesquisador também busca outros grupos de insetos que possam apresentar estratégias semelhantes de resistência ao fogo.
“Então, a gente ficou bem empolgado com as descobertas […]. A gente ainda está avançando em outras pesquisas para entender, efetivamente, se o que a gente viu é apenas um caso isolado ou outros grupos de insetos, de repente, podem ter essa adaptação contra o fogo”, finalizou.
